a menina que vivia


   
     Ela chegava em casa e morria um pouco. Era atingida por gritos, brigas e lágrimas. Ela caminhava lentamente de cabeça baixa, pelo corredor sombrio. E olhava tristemente as molduras na parede, esquecidas. Ela chegava em seu quarto, quase morta. E afundava cada vez mais em um poço sem fundo.
    A menina não dormia. Não podia. E toda manhã ela se erguia e fugia. Andava, corria, chorava. E se encontrava perdida. 
    A menina nunca era lida. Mal era notada. Ela ria, sorria e gritava. E era apenas ignorada. 
    Todo dia, ela morria. Dissipava-se. Desencontrava-se. E chegava ao inevitável, entrava em casa e morria. Era atingida por ódio, raiva e desarmonia. E se perdia. E desistia.
   Ela tropeçava pela casa, amedrontada. E tentava se esconder pelas penumbras do silêncio. Inútil. Ela é a culpada. Ela é a responsável. A condenada.
    Ela fugia pela manhã, mas sempre voltava. Alimentava-se de cacos e vomitava sonhos. E caía. E caía.
    E não sabia voar.
    E mergulhava de cabeça em um mar sem esperança. E se esquecia, de que não sabia nadar.
    Não sabia viver.
    A menina não sabia amar. E não era amada. Ela se sufocava aos poucos. 
    Implodia. Inflamava. Exclamava!
    E era apenas ignorada.
    A menina não sorria. Não falava. Não sonhava. E todo dia, morria. Abria a porta de casa e encontrava sua perdição.
    E ela estava perdida.